Ferve água, coloca numa xícara, mergulha um sachê e deixa o fio pendurado na borda para poder tirá-lo depois de alguns minutos, quando a água já estiver coradinha. E voilà um chá! Só que não.
Bastou um gole de gyokuro, um dos tipos mais nobres de chá verde, para me dar conta de que eu não sabia NADA sobre chás. Admito que eu já não sabia muita coisa assim, considerando que foi só quando escrevi esse texto sobre matchá que aprendi que os chás (verde, preto, branco, etc.) são TODOS originados de uma única planta: a Camellia sinensis. Ou seja, quando falamos em “chá de hortelã” ou “chá de camomila”, estamos nos referindo a infusões dessas outras plantas e não a “chá-chá” propriamente dito.
E já que estamos falando de Japão, timidamente comecei a me adentrar no mundo do chá verde. Na minha última viagem ao país, fui conhecer uma casa de chás lindíssima em Meguro, cantinho pouco explorado pelos turistas em Tóquio, chamada Yakumo Saryo.
Quem me levou para este espaço especial foi o fotógrafo Mizuaki Wakahara, amigo que sempre me traz inspirações e me faz entender sobre a cultura de seu país. Graças a ele, conheci o Enoura Observatory, do Hiroshi Sugimoto, aprendi sobre bonsai e wabisabi em Saitama, conheci o santuário minimalista de Akagi, em Kagurazaka. E também foi a convite dele que participei de uma cerimônia do chá completa (aquela onde cometi algumas gafes) e do aniversário do fotógrafo Nobuyoshi Araki – um momento surreal das minhas experiências no Japão (bom, vamos combinar que sem o Mizuaki, este blog seria um tédio!).
Mizuaki é um estudioso do zen e queria me levar para conhecer essa casa de chás em especial por ter sido projetada por Shinichiro Ogata, designer que busca simplicidade e equilíbrio em suas criações. Sua fachada discreta faz com que imaginemos o que há em seu interior – tal como Kakuzo Okakura explica brilhantemente em “O Livro do Chá”, quando se aprofunda na teoria do “culto do imperfeito, que intencionalmente deixa algo inacabado para a imaginação completar”.
Era a minha primeira vez numa casa de chás e me surpreendi quando vi o cardápio. O chá mais caro não era o matchá, como eu pensava, e sim, o gyokuro. O processo de preparo dessas duas variedades de chá verde é especial e mais trabalhosa. Um das etapas que têm em comum é a proteção das folhas da exposição direta da luz solar: as plantas são cobertas por uma tela algumas semanas antes da colheita, o que aumenta a produção de clorofila e reduz o tanino, trazendo uma certa doçura e diminuição do amargor.
Apoiada por Mizuaki, resolvi experimentar o gyokuro. “Experimentar” cabe bem aqui pois provar um gyokuro nessa casa de chás foi uma das experiências mais incríveis que pude viver nessa última viagem ao Japão – e está longe de poder ser resumida como “tomar goles de uma bebida”.
A experiência começa logo que passamos pelo portão de ferro e percorremos o caminho até a entrada da casa. Nesse percurso está o ma (間), o espaço e momento de transição necessários para que possamos preparar o espírito para o que está por vir. Daí em diante, somos tomados pela beleza dos pequenos detalhes: o pequeno garfinho esculpido em bambu, as superfícies irregulares das cerâmicas que provocam um toque único às mãos, o manuseio minucioso dos profissionais no momento do preparo da infusão…
Na hora de experimentar o tão esperado chá, outra surpresa: sua temperatura não é pelando, recém-fervido. Seguindo o método tradicional, o gyokuro é preparado com água a 50°C, o que acentua sua suavidade e doçura. Na verdade, acho difícil descrever em palavras o seu sabor, por isso recomendo fortemente que vocês experimentem também.
Os doces tradicionais japoneses servidos antes do chá são uma atração à parte. Preparados com ingredientes da estação e servidos de forma que nos obriga a rever nossos conceitos de estética, para mim, os doces têm função essencial na hora que degustamos um chá. Eles preparam o paladar e trazem equilíbrio aos sabores que se combinam na boca.
E, por fim, mais uma surpresa. Depois de preparada a terceira infusão, o atendente retirou o bule da mesa e trouxe um pratinho com as folhas usadas no chá, junto com outro pratinho com um pedaço de mini-limão e um mini-dosador contendo shoyu. Tudo mini, tudo fofo. A ideia era pingar umas gotinhas de limão e do molho de soja japonês para temperar as folhas e comê-las. Não é que era delicioso? E tem tudo a ver com a preocupação com o mottainai, ou seja, com o desperdício. Tanto trabalho para cultivar essas plantas para irem parar na lixeira? Nada disso. Respeito pelo alimento – isso a gente vê por aqui.
Vai lá!
Yakumo Saryo – casa de chás
Site: http://yakumosaryo.jp/e/
Localização: Meguro, Tóquio (mapa aqui)
Preço do “gyokuro set”: ¥ 3400 (aprox. 34 dólares)