“O que eu mais gosto do Japão são os velhinhos”

Estávamos sentados numa mesa na calçada de um izakaya bem simples, sendo atendidos por um senhor de idade muito espontâneo, direto, que não fazia muita cerimônia. Foi nesse contexto que um amigo francês, que mora há 8 anos em Tóquio, me disse isso. Ele fez uma análise super interessante, comparando os idosos e os jovens japoneses. Na sua opinião, por causa do cenário econômico atual, a galera de 20 ou 30 anos costuma ter uma visão muito negativa das coisas, principalmente em relação a estilo-de-vida, família, trabalho e futuro. Já as pessoas de mais idade, por terem vivenciado o boom econômico do pós-guerra são, geralmente, mais otimistas, abertas e positivas. Por carregar muita experiência e maturidade na bagagem, são mais despachados, gostam de bater papo com desconhecidos e de trocar ideias.

Uma senhora de idade que mora na cidade de Tsuyama, na província de Okayama, ilustra o que meu amigo quis dizer. Ela resolveu colocar sua casa no Airbnb para hospedar viajantes, mesmo depois de ouvir críticas de outros moradores que achavam que ninguém se interessaria em conhecer uma cidadezinha numa área rural do Japão. Engano deles. A senhora começou a receber tantos turistas que até seus vizinhos entraram na roda pra prestar serviços como guias, tradutores e acompanhantes de trilhas.

Foi inspirado nesse case que o Airbnb, a plataforma online de hospedagens pelo mundo, desenvolveu um projeto que vai além da sua estratégia de negócios atual. Em parceria com o arquiteto japonês Go Hasegawa, a empresa criou a Yoshino Sugi no Ie, ou a Casa de Cedro de Yoshino, cidade que fica na província de Nara, a leste de Osaka.

Foto: Samara/Airbnb

Foto: Samara/Airbnb

Conhecida pelas florestas de cedro de seu entorno, a cidade escolhida para acolher a nova empreitada tem apenas 10 mil habitantes. A ideia é que a casa se torne um centro comunitário para uso dos locais, além de uma opção de hospedagem para os viajantes. Assim, os turistas terão contato direto com os moradores da cidade, que, por sua vez, poderão oferecer seus serviços, se ocupar com uma atividade e ganhar uma renda extra, além de desfrutar de um espaço de convivência na região.

Seguindo uma tendência das zonas rurais no Japão, a população de Yoshino é composta, principalmente, de idosos. Levando isso em consideração, esse modelo de negócios revitalizaria essas áreas que estão envelhecendo e sendo abandonadas pelos jovens, que preferem o movimento das cidades.

O envolvimento da comunidade com o projeto começou já na sua criação. Go Hasegawa trabalhou com carpinteiros e artesãos locais para construir a casa feita com madeira da região. Mantendo a simplicidade das casas japonesas antigas, o arquiteto espera que o projeto fique em harmonia com as outras construções do entorno e proporcione aos viajantes a experiência de se hospedar num ambiente típico japonês (mais fotos aqui).

Yoshino Sugi no Ie está atualmente em exposição no evento House Vision, em Tóquio, organizado pelo designer Kenya Hara. A casa será transportada para Yoshino em outubro e, logo em seguida, será aberta ao público. Dependendo dos resultados dessa experiência, o Airbnb poderá replicar o modelo em outras cidades.

Essa notícia me fez lembrar de duas histórias. Quem acompanha o blog faz tempo, talvez se lembre do Suzuki-san, um simpático senhor que me ofereceu um chá quentinho numa parada da trilha Nakasendo, que liga as cidades Tsumago e Magome. Ele não oferecia nenhum produto ou serviço, fazia aquilo pelo prazer de receber as pessoas e de conversar com desconhecidos. A melhor lembrança que tenho dessa trilha foi justamente essa pausa tão acolhedora e inesperada.

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Tem também a história comovente da senhora japonesa que faz bonecos de pano para espalhar pelo vilarejo onde mora, trazendo para a vila um pouco de alegria e, ironicamente, vida. Depois de virar notícia mundial, seus bonecos passaram a atrair muitos viajantes para a região, incluindo meu amigo Roberto, que narra sua experiência aqui.

Isso tudo me faz pensar que essa ideia de conectar viajantes a moradores de cidades de fora do circuito turístico, principalmente aos de mais idade, é muito bacana. Claro que, de uma forma bem crua e direta, essa proposta poderia se assemelhar a um hotel ou pousada com a marca Airbnb. Mas espero, de verdade, que esse projeto dê certo e que possibilite mais encontros entre turistas e os adoráveis velhinhos japoneses. Pra mim, as melhores experiências de viagem envolvem pessoas, conversas e trocas, com um chazinho pra acompanhar.

obs: Valeu pela notícia, Johnny! 🙂