Conheci o músico/artista multimídia/produtor/performer Dudu Tsuda em Tóquio, durante sua residência artística no Tokyo Wonder Site, um centro de arte contemporânea que sempre apoia pesquisas super interessantes.
Dudu estava trabalhando no projeto “Estudo sobre o Silêncio“, que envolve o conceito do kanji 間 (lê-se ma, aida ou kan, mas, pra simplificar, vamos chamá-lo de ma). Em suas aplicações mais amplas, este ideograma representa o intervalo ou espaço entre dois momentos, dois objetos ou dois acontecimentos. Num uso corriqueiro, por exemplo, podemos falar que um filme dura 2時間 (ni ji kan), ou seja, um intervalo de 2 horas. É o intervalo de tempo entre o começo e o fim. No trabalho do Dudu, o kanji é explorado pelo viés do som, do silêncio e do tempo. Seria a reminiscência de som logo antes do silêncio, pra explicar de um jeito bastante simplificado.
Mal sabia que o ma cruzaria meu caminho novamente, desta vez na França. No final do ano passado, numa temporada em Montpellier, pude assistir ao documentário francês “Espaces Intercalaires”, sobre o qual cheguei a comentar neste post sobre arquitetura. Inspirado pelo mesmo kanji, o cineasta Damien Faure foca em projetos arquitetônicos japoneses desenhados para aqueles espaços mínimos que acabam sobrando entre dois prédios. São terrenos com, por exemplo, 2 metros de largura e outros poucos de profundidade, que acabam abrigando uma construção genial, aquelas que os japoneses fazem tão bem. São os espaços entre duas referências concretas, em mais uma aplicação do kanji.
Para chegar onde quero, preciso contar uma terceira e última história. O Antonio, um amigo que faz mestrado em moda, me disse uma vez que existia um conceito japonês que explicava o espaço entre o tecido da roupa e o corpo. E, durante as minhas investigações, não é que descobri que ele também estava falando do 間 – ma?
Com isso na cabeça, durante essa segunda temporada que passei no Japão, pude perceber que isso fazia muito sentido. Esse é o conceito básico da moda no Japão: existe um espaço entre a pele e a roupa. Os tecidos caem de forma mais folgada, sem prender e sem grudar.
Eu, fruto dessa genética 100% oriental, não fui agraciada nem com altura nem com muitas curvas. Usar roupas largonas, maxi tee, calças boyfriend, NEM PENSAR. Acho lindo – nas outras. Mas, vendo as japonesas (baixinhas e mignons, como eu) e o jeito que elas se vestem, pude apreciar muito mais esse estilo. Sem exibir a forma do corpo, acho que se tornam mais elegantes.
Deixei de lado também aquela ideia de que se for usar roupa larga – que teoricamente achata o corpo, tem que colocar um saltão. Via mulheres, até mais baixas que eu, com aqueles cardigãs compridões, usando um tênis. E absolutamente estilosas.
Fora a questão do conforto que a roupa soltinha te propõe. Quem aí nunca ficou com aquelas marcas de costura nas pernas depois de tirar uma calça skinny?
Isso me fez parar pra pensar na forma como me visto e em como o ambiente em que estamos acaba criando certas noções e preconceitos. Estes, felizmente, estão sempre na iminência de serem derrubados.