Ideias por trás da filosofia japonesa que promove a beleza das coisas impermanentes, incompletas e imperfeitas
Quem viu o vídeo sobre arquitetura se deparou com o termo wabisabi quando falo da catedral projetada por Kenzo Tange e de suas paredes sem acabamento. Neste post, quero explicar melhor este conceito que, para muitos japoneses, é dificílimo de ser explicado. Lá vou eu, humildemente, tentar dar conta do recado.
Wabisabi é uma filosofia que vai contra os ideais de beleza ocidentais. Seu conceito surgiu por volta do século XV, com bases no Zen, como resposta à estética predominante na época, de muito luxo, ornamentos e ostentação.
Não se trata de valorizar aquela beleza milimétrica, simétrica, perfeita e eterna. É valorizar a beleza que se transforma e aceitar o ciclo natural da vida. É ver beleza em algo que também pode causar estranhamento. É apreciar as imperfeições que surgem com a passagem do tempo. Afinal, nada é permanente, tudo muda o tempo todo.
Na cultura japonesa, podemos ver a aplicação deste conceito em diversas tradições, como no kintsugi, técnica de restauração de cerâmicas quebradas. Diante de um vaso partido em pedaços, a maioria de nós, ocidentais, juntaria os cacos, embrulharia no jornal e jogaria fora. Mas os japoneses têm um jeito de colar os fragmentos com uma mistura de resina ou verniz com pó de ouro. O resultado é APENAS maravilhoso.
A mensagem dessa arte é de ressaltar as cicatrizes, pois são elas que contam histórias. Vemos, assim, a beleza nas imperfeições de coisas que não são eternas, que são frágeis e se quebram, podendo se tornar incompletas. Os acidentes e infortúnios fazem parte do ciclo da vida e não deveríamos tentar escondê-los.
O bonsai também transmite essa mensagem. Numa ida ao museu dedicado às árvores em miniatura, em Saitama, pertinho de Tóquio, percebi que o wabisabi está nos galhos retorcidos, na assimetria e na imperfeição dos troncos. Tempo é um fator essencial no cultivo de um bonsai. Conhecedores da técnica dizem que é necessário anos, podendo chegar a uma década, para que o bonsai atinja um certo nível de expressividade.
Mas o que mais me chamou atenção foi a explicação para a parte branca do tronco. Essa parte está morta, por isso perde a coloração. Nem por isso os bonsais deixam de ter sua beleza apreciada, pelo contrário. O branco contrasta com as outras partes vivas e remete também à ideia de impermanência.
Saindo das tradições, o wabisabi também pode estar no nosso dia-a-dia. É apreciar a ferrugem que aparece naquela cadeira da varanda, ou ver a beleza das pétalas de flores caídas no chão. É gostar ainda mais daquela camiseta que foi perdendo a cor, depois de tantas lavagens – sinal de que você gosta mesmo dela.
Nós mesmos podemos ser alvos de um “olhar wabisabi” – por que não? Numa recente viagem para a França, terra da Avène, La Roche-Posay e outras gigantes dos cosméticos, levei na bolsa uma lista de produtos que minha dermatologista tinha me recomendado. Prestes a completar 31 anos, estava preocupada com umas marquinhas abaixo dos olhos – sim, aquelas que só eu consigo enxergar.
Cheguei lá e comentei com meu namorado que queria achar uma farmácia. Ele me disse:
- Mas você não precisa disso. Você é linda assim e quando tiver ruguinhas ao redor dos olhos vai ficar mais charmosa ainda.
Minha nécessaire foi e voltou do mesmo jeito. <3
Querem mais um exemplo de como podemos aplicar o kintsugi na vida?
Amor é o que vem depois. Amor é pé no chão. Amor é Kintsugi. É abraçar as merdas que aconteceram e as que ainda vão acontecer. É querer consertar o que quebrou. É abraçar as brigas, os ciúmes, as discussões, as frustrações e fazer algo ainda mais bonito. Uma relacionamento melhor. Não é evitar as brigas, mas usar elas pra seguir em frente. Sem mágoas ou ressentimentos.
Bem bonita essa analogia do Raphael Valenti entre a técnica de colar cacos e a “a arte de consertar um amor”. O texto na íntegra está aqui (super recomendo).