ATUALIZAÇÃO: A partir do verão de 2024, novas diretrizes foram impostas para quem quer escalar o maior ícone do Japão. Não é mais possível fazer como eu fiz em 2013, começando a trilha à noite para ver o amanhecer se não tiver a comprovação de uma reserva em uma das cabanas de descanso. Mais informações aqui.
Foi segurando uma latinha quente de café com leite, dessas que encontramos em máquinas de rua, sentada num banco de madeira comprido numa espécie de cabana/refeitório apinhado de gente que, finalmente, caiu a ficha: tinha acabado de escalar o Monte Fuji. Durante as sete horas de trilha noturna, sem fôlego em alguns trechos por conta da altitude, cansada por não ter dormido direito na noite anterior (quem consegue dormir sabendo que vai escalar a montanha mais alta do Japão?), o que me fez continuar andando era um objetivo muito preciso que eu tinha em mente: chegar no topo e assistir ao nascer do sol. Mas eu não fazia ideia de como seria a experiência de efetivamente chegar lá. Tirando o vento e temperaturas próximas de zero, não sabia o que esperar. Mas com certeza não imaginava que um café enlatado me traria tanta alegria.
Era agosto de 2013, fazia pouco mais de um mês que eu estava no Japão e nunca tinha passado pela minha cabeça escalar o cartão-postal de 3776m de altitude. Foi um amigo da escola onde eu estudava, o holandês Yuri, que começou a agitar essa história com uma galera, falando que seria uma oportunidade única pois a temporada oficial de escalada é curtíssima (só durante o verão). Hesitei MUITO porque lembrei do quão penoso foi minha ida a Cusco, no Peru, que fica a pouco mais de 3000m de elevação. Senti falta de ar, dificuldade para andar e me cansava só de andar pela cidade – os sintomas básicos do soroche, o mal da altitude (mas ainda assim foi uma viagem incrível, que eu repetiria sem piscar os olhos!). Mas, diante do ultimato “it’s now or never”, meu lado “aventureiro” (ele surge de vez em quando) falou mais alto e topei. Outro amigo também se juntaria a nós, mas, tomado por um momento de sanidade, desistiu na última hora.
Tive pouquíssimos dias para me preparar e li tudo o que podia sobre a escalada para saber o que levar (que vou contar a seguir). Não vou dizer que a minha preparação e organização foram as melhores – aliás, estou longe de competir com os japoneses, o povo mais bem equipado do MUNDO em termos de trilhas. Mas foram os pequenos perrengues que me fizeram valorizar ainda mais toda a experiência. E dividi-la com todos aqueles colegas de escalada de objetivo idêntico ao meu fez tudo isso se tornar mais especial. Mesmo que não passassem de desconhecidos.
Tão bonito quanto o próprio nascer do sol foi ver todas essas pessoas se posicionando para acompanhar o espetáculo. Todas quietinhas e concentradas, com os olhares voltados para uma mesma direção, ansiosos por um fenômeno que acontece diariamente. Naquele dia em particular, porém, o sol teria seu momento de glória – digno de rockstar – e seria lembrado por todos aqueles seguidores.
Quando o sol já estava lá, brilhando firme e forte, aquilo virou uma celebração. As pessoas exploravam o terreno desconhecido, sorriam e até cantavam. Olhem o clima (e a quantidade de gente!):
Aquela lata de café se tornou parte da minha comemoração particular: aquecida numa grande tina d’água lá no topo (os japoneses pensam em tudo), esquentou minhas mãos num momento em que eu não poderia pedir por outra coisa. Em cada gole quentinho vinha junto a sensação missão cumprida.
Aqui vou fazer um resumão em tópicos para facilitar a vida de quem está pensando em encarar o desafio, sendo que todas as dicas e recomendações são baseadas no que eu vivi. Existem várias opções de trilha e outros jeitos de fazer esse rolê (dormindo uma noite lá, por exemplo), então sugiro que pesquisem também outras fontes, como o Japan-Guide (meu mentor em termos de viagens pelo Japão) e essa matéria do Tabiji, que traz outros relatos e mais dicas.
O plano
Escalar até o topo do Monte Fuji pela trilha Yoshida partindo da 5a estação e ver o sol nascer. O monte é dividido em “estações”, sendo a primeira localizada na base e a 10a, lá no topo. O acesso à 5a estação é feito de ônibus.
Dificuldade da escalada
A trilha em si não é difícil e é bem sinalizada. Requer um pouco de ginástica na hora de subir alguns “degraus” de pedras, mas nada que alguém em boa forma física não consiga encarar. O que torna as coisas complicadas são a altitude e seu ar mais rarefeito, a duração da caminhada e a questão de fazê-la noite e madrugada adentro para poder ver o amanhecer.
Tempo total
Tendo em mente que a trilha leva em média de 5 a 7 horas para ser percorrida e que o sol nasce por volta das 4h30 da manhã durante o verão, nos planejamos para começar a caminhada entre 21h e 21h30. Chegamos no cume com os primeiros raios de sol, então o timing deu super certo – ainda mais se levarmos em consideração que paramos uma hora para descansar na 8a estação. Foram cerca de 6 horas de trilha e uma hora de descanso, totalizando 7 horas. A descida demorou umas 4 horas.
Alta temporada x filas
A temporada de escalada vai do começo de julho a meados de setembro. O pico de movimento rola em agosto, principalmente durante o feriado de Obon, quando os japoneses têm vários dias consecutivos livres. Eu fui no começo de agosto e, realmente, a trilha estava congestionada. Em muitos momentos, quando a passagem fica mais estreita, forma-se uma fila indiana. Mas como eu estava num ritmo mais tranquilo, isso não me afetou tanto assim.
Escalar fora da temporada oficial não é recomendado por causa do vento e das baixíssimas temperaturas. Todos os anos, tem gente que se mete a fazer isso e não volta mais – mesmo. Fora que as cabanas de suprimentos que encontramos nas estações não ficam abertas.
Roupas e equipamentos
Fui como uma cebola e foi uma boa ideia. Legging quentinha, regata, segunda pele de manga comprida e jaqueta corta-vento para começar. Na mochila, uma malha, cachecol e luvas. Lá pela 7a ou 8a estação, eu já estava com o look inverno. Na volta, com o sol a pino e já bastante aquecida com a subida, desci de regata com uma blusa nas costas para não torrar muito. Ah, levem protetor solar!
As únicas coisas que fizeram falta foram um gorro, principalmente lá em cima, e luvas mais quentinhas. O problema é que não tive tempo de rodar a cidade para encontrar esses artigos de frio em pleno verão de 40 graus, e as únicas luvas que achei na Donki eram meio emborrachas, para jardinagem talvez (rs). Mas ainda assim foi melhor do que não ter levado nada. De equipamento, levei só uma lanterna de cabeça (essencial, pois deixa as mãos livres e ilumina bem onde você pisa), também comprada na Donki, e um cajado de madeira vendido nas lojinhas da 5a estação por algo em torno de mil ienes. O cajado me ajudou bastante e me deu bastante apoio.
Calçado
Eu não tinha aquelas botas de montanhismo e fui com o único par de tênis que tinha no Japão. É um modelo mais urbano, mas aguentou bem o tranco e não me trouxe nenhum problema, visto que uma galera vai com calçados para caminhadas e volta com meias rasgadas e bolhas nos pés. A trilha da descida escorrega bastante, então vá com calçados de solado apropriado.
Comida
Fui com a mochila abastecida: um bentô (que comi ainda na 5a estação, antes de começar a subida), alguns onigiris, um saco de kit kat, outras coisinhas de konbini e uma espécie de gelatina para tomar, que vinha num saquinho. Tinha lido que era um ótimo repositor de energias e, apesar de não saber exatamente como era sua textura, sabor ou cor, resolvi experimentar. Depois do primeiro gole, no meio da subida, falei pro Yuri: “é que nem vomitar, só que ao contrário”. Guardei de volta, esperando nunca mais voltar a tomar aquele negócio, MAS…
Na subida (estamos falando da trilha Yoshida) é bem fácil encontrar quiosques que vendem comidinhas e água. Numa dessas paradas, aproveitamos para comer um cup noodles para matar a fome e esquentar o corpo. Normalmente, encontramos esse macarrão instantâneo em lojas de 100 ienes, mas lá custava 600 (quase 6 dólares). Quanto mais no alto, mais caro ficam os produtos.
Já na descida, percebi que esses quiosques com comida são mais escassos (por favor, me corrijam se eu estiver errada). Com meus suprimentos já perto do fim, não teve jeito: tive que recorrer à gelatina em pedaços de sabor duvidoso. Então, minha dica é: levem comida suficiente para a subida e para a descida, sem depender tanto dos produtos vendidos por lá – mas também tomem cuidado com o peso da mochila.
Ao invés de água, tinha lido que seria bom levar algum tipo de isotônico porque hidrata mais rápido e faz segurar a vontade de fazer xixi. Levei umas três garrafas de Pocari Sweat (apesar do nome, o sabor é ok rs) e, realmente, tive pouquíssima vontade de ir ao banheiro.
Banheiros
Mas e se bater vontade? Nas estações, além dos quiosques com suprimentos, é fácil de encontrar banheiros. Quase não precisei ir durante a subida, ainda bem, pois dava pra sentir o cheiro forte só de passar por perto. Mas talvez isso tenha melhorado depois que passaram a arrecadar uma taxa de 1000 ienes de quem faz a escalada (alguém pode confirmar? :)).
Descanso na subida
Comecei a trilha bem, mas com o passar do tempo começou a me bater um cansaço muito forte. Tinha que fazer várias paradas para recuperar o fôlego até que chegou uma hora em que estava exausta. Acho que era por volta da 1h da madrugada quando encontramos uma cabaninha de descanso. Pagamos 3 mil ienes para descansar por 1 hora e foi um dinheiro MUITO bem gasto. Deitei num banco de madeira e consegui tirar um cochilo de meia hora (durante a primeira meia hora, de olhos fechados, fiquei naquela tensão de “preciso dormir, preciso dormir, preciso dormir” e obviamente não conseguia dormir). Foi o cochilo mais revitalizador da VIDA. Quando retomamos a trilha, eu era outra pessoa. Com muito mais disposição e ritmo, chegar na 10a estação foi muito mais animador.
Carimbando o cajado
Em cada estação, é possível carimbar o cajado para levar consigo uma lembrança. Como cada carimbo é pago, temos as marcas só de algumas estações, incluindo, claro, a da décima – a mais valiosa!
Descida
A trilha de descida não é a mesma da subida, então não ficamos esbarrando com quem está escalando. O dia estava lindo, céu azul, calorzinho, cenário super favorável.
Mas, honestamente, descer foi muito chato porque demorou muito mais do que eu imaginava e não podíamos andar muito rápido porque as pedrinhas da trilha faziam escorregar demais. Cheguei a escorregar umas duas vezes, até que inventei um jeito de ir descendo meio de lado, como se estivesse me equilibrando numa prancha de surf (haha, falo como se eu tivesse realmente essa referência). Fora que estava morrendo de sede porque meu pequeno estoque de Pocari Sweat tinha acabado e não encontrava nenhum quiosque no caminho. No total, foram cerca de 4 horas para chegar de volta até a 5a estação.
Despesa total
Contando as passagens de trem e ônibus de ida e volta saindo de Tóquio (compramos esse pacote da JR, mas acabei de ver que ele não é mais vendido – alguém tem outra dica?), mais o repouso de uma hora, os carimbos e o cup noodle, gastamos por volta de 10.000 ienes.
Fuji-san, o senhor Fuji?
Fara finalizar, uma curiosidade: em japonês, Monte Fuji é “Fujisan”. Muita gente acha que esse “san” é o mesmo que usamos junto com nome de pessoas, como em Takeda-san ou Yamada-san. Na verdade, trata-se de uma das leituras do kanji de montanha (山). Mas a majestosa montanha japonesa não deixa de impor respeito, certo? 😉
(Todas as fotos deste post são de minha autoria)