Karaokê com a galera – uma das experiências mais divertidas do Japão (Foto: Carlos Kato / @chkato)
Se tem um programa que eu amo fazer aqui no Japão é ir em karaokês. E talvez alguns de vocês se perguntem: “mas o que o Japão tem a ver com essas cantorias – muitas vezes desafinadas – sobre um fundo musical?“. Muito! Começando pelo próprio nome: karaokê é um termo japonês, onde kara quer dizer vazio – e é o mesmo kara de karatê – , e oke é uma forma curta de falar ookesutora, que significa orquestra.
A invenção do karaokê costuma ser creditada ao músico japonês Daisuke Inoue, que, nos anos 70, criou uma máquina que reproduzia sons instrumentais pré-gravados para que as pessoas pudessem cantar por cima das faixas. Inoue, porém, não patenteou sua criação e quem acabou fazendo isso, em 1975, foi um inventor filipino chamado Roberto del Rosario. A falta de patente no Japão não barrou a popularidade do karaokê, que ganhou força total a partir da abertura do primeiro complexo de karaokê box, em 1984, na província de Okayama. Em salas à prova de som, dava para cantar até colocar os pulmões pra fora, que nenhum vizinho iria se incomodar.
Até encontramos os bares de karaokê em que cantamos na frente de desconhecidos por aqui, mas o mais comum mesmo são os do tipo box, que são as salinhas privativas onde passamos vergonha só na frente de quem a gente escolhe. Quem é que não lembra da cena da Scarlett Johansson cantando de peruca rosa em Encontros e Desencontros?
No cult que já virou clássico de Sofia Copolla, os personagens cantam numa salinha em Shibuya, em Tóquio, com vista pra cidade. Para quem nunca esteve aqui, pode parecer surreal, mas encontramos prédios inteiros com salas de karaokê. As salas mais incrementadas têm luzes coloridas, palco, pedestal para microfone – tudo pra criar um clima pros cantores amadores.
Com toda essa parafernália, pra mim, os karaokês acabam sendo diversão na certa. E por ser uma sala reservada só pro seu grupo, o clima é totalmente diferente, desinibindo até os mais tímidos. As salas variam de tamanho, comportando desde grupos pequenos de até 4 pessoas, a turmas grandes de 30 ou 50 pessoas.
Normalmente, se paga um valor fixo por um período determinado, podendo ser prorrogado caso a animação ainda esteja no auge – que é uma coisa que acontece com bastante frequência, principalmente quando o plano envolve bons drinks. Quer dizer, bons drinks é só um jeito de falar, porque em karaokês, geralmente, não são lá essas coisas. Se for pra beber, o mais seguro é ficar na cerveja. Fica a dica!
Se bater fome, os karaokês têm um cardápio de porções, como batata frita e outros belisquetes. E olha a mamata: para pedir bebidas ou comidinhas, não é preciso nem sair da sala, basta usar um interfone. Alguns estabelecimentos, inclusive, não ficam só no cardápio padrão. Na disputa por clientes num mercado com tantos concorrentes, alguns tentam inovar, é o caso do karaokê Rainbow, em Shibuya, que oferece no plano self service de sorvete de máquina à vontade.
Ah! E outra amenidade que algumas redes como o KaraokeKan oferecem é deixar à disposição dos clientes algumas fantasias. Isso pode tornar a experiência ainda mais divertida e costuma fazer sucesso com os mais animados – tipo eu.
Mas o karaokê não é só uma atividade social. Pelo menos em Tóquio e em outras grandes cidades, encontramos estabelecimentos com cabines individuais, para quem quiser simplesmente cantar, independente de plateia. Esse formato de serviço é relativamente novo, tendo sido inaugurado, em Tóquio, há 10 anos, mas ele foi, na realidade, uma adequação a uma demanda do público que já existia. Na época, a indústria do karaokê se deu conta de que 20 a 30% da clientela ia cantar sem companhia nenhuma, ocupando salas que acomodariam grupos.
Mas por que diabos alguém vai cantar sozinho no karaokê? Eu me fiz essa pergunta quando estive aqui no Japão pela primeira vez, entre 2013 e 2014. Segundo a rede One Kara, as pessoas procuram as cabines individuais por motivos variados. Algumas têm vergonha de cantar diante de mais gente e outras vêem como uma forma de treinar pra arrasar quando for marcar junto com a galera.
Confesso que, na época, encarei com surpresa e estranhamento, quando soube dessa rede One-Kara, de karaokê para uma pessoa. Anos atrás as coisas passavam apenas pelo entendimento dentro das referências que eu tinha, então se karaokê, pra mim, era uma atividade social, fazer isso sozinho seria algo totalmente estranho ou inadequado. E acho que é a partir de uma visão rasa como essa que muitos preconceitos acabam sendo moldados. Que bom que com tempo e maturidade, vem também uma visão mais aprofundada de mundo, pela qual eu tento não julgar a partir das minhas próprias referências e vivências, mas considero o contexto daquela realidade e daquela sociedade. Ué, não tem gente que se diverte cantando no banheiro? Por que então não cantar numa sala com equipamento e acústica próprios, tendo à disposição um catálogo de dezenas de milhares de músicas?
Então seja sozinho, entre amigos, familiares ou colegas de trabalho, assim como ir a um restaurante, ao cinema ou a um bar, ir a um karaokê é um tipo de lazer bastante comum no Japão e ocupa um posto especial na cultura de divertimento do país. Além, de claro, proporcionar lembranças memoráveis.
Cantar Backstreet Boys vestida de texugo do alto de um prédio com vista para os luminosos de Shinjuku é algo que eu já posso riscar da minha lista.
Anota aí!
Rainbow Karaoke Shibuya
Localização: 〒150-0041 Tokyo, Shibuya City, Jinnan, 1 Chome−21−3 (visualizar mapa)
Site: www.karaoke-rainbow.com
KaraokeKan Shinjuku
Localização: 〒160-0021 Tokyo, Shinjuku City, Kabukicho, 1 Chome−5−7 (visualizar mapa)
Site: karaokekan.jp/shop/detail/16
A rede Karaokekan tem outras unidades em Tóquio e está presente no Japão todo.
One kara
Localização: 〒160-0023 Tokyo, Shinjuku City, Nishishinjuku, 1, 7丁目1−1 (visualizar mapa)
Site: 1kara.jp/en
Texto adaptado do episódio 28 do podcast Peach no Japão. Clique no play abaixo, para escutá-lo na íntegra. Ou procure por Peach no Japão no seu agregador de podcast preferido!
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