Quando escrevi este post sobre o projeto de uma casa deslumbrante, inteiramente construída por carpinteiros japoneses em meio a um pacato vilarejo, não imaginei que um ano depois eu teria a oportunidade de passar duas noites hospedada lá.
Yoshino Cedar House é um projeto desenvolvido em parceria entre Joe Gebbia, co-fundador do Airbnb, o arquiteto japonês Go Hasegawa e a Prefeitura de Yoshino, cidadezinha que fica na província de Nara, a 70 km de Kyoto. A ideia é de usar o design e a arquitetura, aliados ao espírito de hospitalidade japonês, para atrair turistas a um vilarejo aparentemente fadado ao declínio e envelhecimento de sua população.
Chegar lá não é a tarefa mais simples do mundo. Saindo de Kanazawa às 8h da manhã, peguei quatro trens para chegar na estação Yamato Kamiichi, que está a uns 20 minutos de caminhada da casa. Mas fazer tantas baldeações não me desanimou – pelo contrário: por não ter um acesso tão fácil, tinha certeza de que encontraria paz e tranquilidade, longe dos burburinhos turísticos do país.
Entrei na casa por volta das 13h, em tempo para o almoço. Mas a comida teve que ficar para depois, porque, aproveitando que estava sozinha na casa (Teruichi-san, o host naquele dia, só chegaria às 18h), fiz um tour para conhecer a construção e apreciar cada detalhe: os encaixes perfeitos das estruturas, a janela triangular dos quartos, os copos e pratos esculpidos em madeira – quem viu meus Stories no Instagram, acompanhou tudo isso em tempo real!
A casa era realmente tudo aquilo que eu tinha visto nas fotos do Archdaily e ainda contava com um detalhe que escapava às imagens: o cheirinho de madeira. Só estando lá para sentir. Quem me acompanha sabe que arquitetura é algo que me emociona. E lá estava eu, de frente para o Rio Yoshino, emocionada.
Feito o tour, hora de procurar um lugar para almoçar. Existem pouquíssimas opções de restaurantes nas imediações e acabei indo num lugar a poucos minutos da casa, que estava marcado no mapinha que Teruichi-san tinha me enviado. Pedi o teishoku do dia, um sabayaki (peixe saba, nossa cavalinha, grelhado) servido como um donburi (com o peixe por cima do arroz). UAU. O tofu e o umeboshi, servidos como acompanhamentos, foram os melhores que já comi na vida.
Depois de explorar um pouco a região, voltei para a casa para conhecer o host. Teru, como prefere ser chamado, é proprietário de uma das mais de 30 madeireiras da cidade e foi um dos responsáveis por mobilizar a comunidade de Yoshino para tocar o projeto de acolher os visitantes da casa. Me contou que cerca de 30 moradores da região se revezam para receber os hóspedes e que está muito animado com os rumos que a cidade pode tomar com a alta de turistas. Há quem compare o projeto a Naoshima e às demais ilhas de arte do complexo Benesse que, após receber investimentos em arte e arquitetura, tiveram sua economia transformada.
Teru ficou aliviado quando viu que podíamos nos falar em japonês, mas disse que o contato com estrangeiros tem aumentado seu nível de entendimento de inglês. Para melhor acolher os hóspedes, Teru anda ouvindo áudios de aulas do idioma enquanto dirige sua caminhonete pela região.
As atrações de Yoshino ficam a algumas estações de trem da casa. Kinpusenji, templo mais importante do Shugendo, religião baseada na devoção às montanhas, que mistura elementos do budismo e do xintoísmo, é todo de madeira (como não poderia deixar de ser) e é um símbolo do Monte Yoshino. O caminho até lá é inteiro coberto por cerejeiras – por isso o lugar é super indicado para visitar durante a primavera.
O centrinho de Yoshino é super charmoso, com restaurantes típicos e comércio de produtos locais, além de ter uma vista muito bonita das montanhas. Mas, para mim, o ponto alto da hospedagem foi o contato que tive com os anfitriões.
Além de Teru, conheci Miho, que me acompanhou na minha segunda noite. Miho é designer e decidiu sair da gigante Osaka, sua cidade natal, para se fixar em Yoshino – o lugar para viver se você tem uma paixão por árvores, como ela. Miho trabalha com crianças e ama criar brinquedos feitos de madeira. Falamos sobre muitas coisas: diferenças culturais, pressões sofridas na sociedade japonesa, trabalho, relacionamentos, idiomas… Diferente do português, os substantivos em japonês não têm gênero. E isso é uma coisa que deixa Miho intrigada. Me perguntou como dizemos algumas palavras em português e se são “menina” ou “menino”. Quando lhe disse que “árvore” e “madeira” são meninas, ela abriu um sorriso e pareceu contente.
Outro encontro especial foi com Ryoko-san, uma senhora que chegou cedinho na casa, só para nos preparar o café-da-manhã. Quando fazemos a reserva de hospedagem pelo Airbnb, podemos fazer à parte a solicitação desse serviço, que custa apenas 500 ienes (menos de 5 dólares). Foi um dos cafés-da-manhã mais deliciosos que já comi no Japão, que pude desfrutar observando o movimento delicado do Rio Yoshino.
Dona Ryoko é alegre e expansiva, dessas que, depois de alguns minutos de papo, já está pegando o celular para mostrar fotos da família. Quis saber de mim, das minhas impressões e sentimentos sendo uma nikkei (descendente de japoneses). Falei que gosto muito de estar no Japão e que, diferente de quando viajo para outros países, lá me sinto à vontade, confortável – como se já familiarizada com o ambiente e com as pessoas, mesmo estando pela primeira vez na cidade. A anfitriã, sem pestanejar, resumiu em uma frase o que eu estava tentando explicar: “é como se você estivesse de volta à sua casa, não é?”.
É, é exatamente isso. <3