Desvinculado do cunho religioso, o Natal no país é celebrado com suas próprias – e inusitadas – tradições
Foi ouvindo a conversa de clientes estrangeiros que Takeshi Okawara, gerente da primeira loja do KFC no Japão, teve a ideia que daria início a uma das maiores tradições de Natal no país. Os gringos diziam que sentiam falta de comer peru – e aí surgiu a ideia: por que não montar um balde de frango especial para a data?
Era o começo da década de 70 e o Japão, cuja população cristã atualmente é de apenas 1%, não tinha grandes tradições natalinas. Uma bela campanha de marketing, que alguns anos depois foi adotada em nível nacional, focou na mensagem de que Natal deveria ser celebrado com frango do KFC. O vermelho já fazia parte da identidade visual da rede e não é que o grisalho Coronel Sanders, o criador e personagem da marca, combinava bem com a fantasia de papai noel?
O balde natalino se transformou num fenômeno comercial e, hoje em dia, famílias japonesas fazem filas para conseguir comprar o jantar especial de Natal do KFC, que, além de asas e coxas de frango, também pode incluir bolo e vinho.
Se quiser evitar HORAS de filas, o ideal é fazer a reserva do jantar da sua família com algumas semanas de antecedência. Nos dias próximos ao Natal, o faturamento das lojas chega a aumentar em até 10 vezes.
Mas nem todos comemoram a data com fast-food. Para muitos japoneses, Natal é um dia para um date especial, como se fosse um aquecimento para o Valentine’s Day. Eles aproveitam que as cidades ficam absurdamente iluminadas nessa época para chamar alguém interessante para passear, jantar em restaurantes bacanas e/ou comer bolo de morango – outro marco natalino.
O strawberry shortcake (massa branca, com recheio e cobertura de chantilly com morangos) acabou ganhando no Japão um significado interessante e complexo, que remonta à história do país antes da guerra.
Bolos do tipo pão-de-ló já eram conhecidos pelos japoneses desde o século XVII por causa da presença dos portugueses em Nagasaki. Mas até antes da Segunda Guerra Mundial, esses e outros doces típicos ocidentais (chamados de yogashi) eram restritos a uma elite que podia pagar por ingredientes caros como leite, açúcar e manteiga.
Após a guerra, devastados com a derrota e submetidos à reconstrução do país com a ocupação norte-americana, os japoneses passaram a ver certos elementos trazidos pelos EUA como símbolos de riqueza e prosperidade – o almejado american way of life. Num momento de pobreza e escassez de comida, chocolates eram definitivamente uma extravagância.
Com o passar dos anos, a retomada da economia do país e a forte influência ocidental fizeram encher as prateleiras dos mercados com os mais diversos tipos de doces e bolos. Segundo o antropólogo cultural Hideyo Konagaya, os japoneses encararam esse boom de doces ocidentais como um sinal de superação dos duros anos de fome e de escassez de alimentos: “finalmente chegamos lá”.
Os morangos também representam um avanço econômico, já que novas tecnologias na agricultura fizeram seu custo de produção baixar, tornando-se um luxo acessível. O que para nós, ocidentais, parece ser uma simples sobremesa, carrega para os japoneses uma mensagem de prosperidade. Comer um pedaço de bolo no dia-a-dia, não só no Natal, é um pequeno momento de luxo e prazer – e não é à toa que tem até emoji próprio 🍰.
Fontes: BBC, Smithsonian Mag, Npr
Obrigada pelas fotos e pelas ideias, Carlos!