Ter morado numa quitinete em Tóquio me fez perceber quais são os singelos mimos de um lar na metrópole cujo metro quadrado é um dos mais valiosos do mundo
Cinquenta, sessenta metros quadrados: talvez essa seja a nossa ideia de um apartamento pequeno no Brasil. Se falarmos de uma quitinete, essa área se reduz a algo em torno de 30, 35m2 – metragem que corresponde a um palacete em Tóquio, onde o metro quadrado pode custar 570 mil dólares.
Em uma das minhas estadas ao Japão, passei dois meses num apartamento de 12m2 que ficava a 3 paradas da estação de Shinjuku, um grande distrito de business e entretenimento da capital do país. Pode parecer um exagero chamar esse espaço de 4m x 3m de “apartamento”, mas ele tinha tudo o que era necessário numa moradia: banheiro privativo (com banheira!), cozinha e quarto – que na verdade se resumia a um cômodo com cama, escrivaninha, geladeira, estante, pia, gabinete e fogão de apenas UMA boca.
Mas aqui estamos falando de necessidade – e não de conforto. E é aí que poderiam entrar pequenas comodidades, tão banais dentro das nossas referências, mas que se tornam verdadeiros luxos numa cidade em que cada centímetro faz diferença.
Fogão de 2 ou mais bocas
Uma coisa simples a qual não damos o menor valor, já que no Brasil podemos nos esbaldar com 4, 5 ou até 6 bocas! Mas uma das configurações de cozinha mais comuns que encontramos em Tóquio é essa:
Foi só quando encarei um fogãozinho desses que me dei conta de que com uma boca extra daria para, por exemplo, cozinhar o macarrão em uma e ir preparando o molho na outra AO MESMO TEMPO. Uma solução boa para esses casos é contar com uma chaleira elétrica para ferver água sem ter que ocupar uma preciosíssima boca.
Espaço de bancada na cozinha
Com a foto da cozinha acima acho que deu pra reparar que não tem uma bancadinha onde picar legumes ou apoiar um escorredor de pratos. Como faz, então? Não se preocupe pois os japoneses pensam em todas as soluções possíveis e imagináveis para aproveitar espaço, como essas aqui:
Cozinha separada do quarto-sala
Na hora de procurar apartamento no Japão, nos deparamos com abreviações ou siglas como 1R, 1K ou 1LDK, que indicam o tipo de layout do apartamento. O número indica a quantidade de quartos, sendo que 1R se refere a one room. É basicamente um cômodo onde fica a cama e a cozinha.
Encontramos mais conforto nas plantas 1K (K de kitchen), que tem um quarto e cozinha separados. Mas luxo mesmo é o layout LDK, com quarto, sala (L de living room), espaço para mesa de jantar (D de dining), e cozinha separadinha do quarto.
Banheiro dividido em ambientes
No Brasil é normal termos banheiros com vaso, pia e chuveiro num ambiente só. Mas também é comum que o banheiro tenha uma janela e seja ventilado naturalmente. A questão é que quando temos isso no Japão, geralmente, trata-se do que eles chamam de “unit bath”: um banheiro pré-fabricado, inteiramente revestido de plástico, que comporta vaso, pia e banheira, geralmente, sem janela, deixando a ventilação a cargo de um exaustor.
Por ser revestida de plástico, toda a área de um unit bath pode ser molhada. Mas acho complicado um ambiente tão pequeno e sem janela, que passa algumas horas do dia úmido, ser destinado a múltiplos e distintos usos. Uma das coisas que mais me incomodam nesse tipo de banheiro é deixar a escova de dentes ou a caixinha de lentes de contato bem ao lado do vaso.
Por isso, acho ótimo quando o vaso é separado da área molhada (chuveiro/banheira). E melhor ainda se tiver um vaso TOTO 🙂
Armários embutidos
Também é valorizado no Brasil mas, tendo em mente os 10-15m2 de um apartamento, ao colocar grandes volumes como armários ou cômodas, sua área vai ficar bem mais limitada.
Se não há espaço para armários, uma solução é usar uma arara e pendurar tudo em cabide. O problema disso é que roupas expostas dão uma aparência desorganizada e, quando o espaço é minúsculo, essa bagunça vai estar sempre no seu campo de visão.
Algo que pode ajudar bastante é aproveitar o espaço embaixo da cama para deixar malas de viagem ou caixotes, ou optar por modelos de camas que têm gavetas.
Outro tipo de armário valioso é a sapateira que fica no “genkan”, hall de entrada da casa, onde tiramos os sapatos. Um pouco de organização, principalmente em lugares pequenos, não faz mal a ninguém. O que será que a Marie Kondo falaria da entrada dessa casa?
Varanda / Banheiro que seca roupas
Nada de churrasco ou de banhos de sol. No Japão, as varandas de prédio têm uma função bem prática: é onde fica a máquina de lavar roupa e o varal.
Se não tiver essa varandinha, a máquina pode ficar dentro do apartamento (ocupando um espaço significativo) e as roupas são penduradas dentro de casa ou levadas para secar em lavanderias do tipo “coin laundry”.
Outra opção, que seria mais um pequeno luxo, são os banheiros que, além da função de exaustor, também têm a opção de virar um grande secador de roupas. Basta acionar o botão DRY no controle de temperatura da água e de outras funcionalidades, deixar suas roupas penduradas lá dentro por umas horinhas e voilà! Mais infos aqui.
Loft
Muitos apartamentos em Tóquio têm um mezanino que comporta um futon ou uma cama baixa. Mas, se a parte térrea comporta uma cama (e se você acha muito trabalhoso encarar o sobe-e-desce), o loft pode ser usado para armazenar volumes maiores que não precisam ser alcançados no dia a dia, como malas de viagens.
Não é sempre mas, se o apartamento tem um mezanino, pode significar que o pé direito dele é mais alto do que o normal, dando uma sensação de amplitude ao ambiente.
Iluminação natural
Mais um item que é valorizado em outros cantos do mundo, mas que é particularmente valioso se você mora num espaço muito pequeno. Num apartamento de 60m2, é provável que pelo menos um dos ambientes seja bem iluminado. Mas, morando num cômodo apertadinho, é preciso levar em consideração esse critério desde o início. O ideal é que o apartamento seja voltado para o sul para que receba mais luz do sol ao longo do dia e do ano.
Outros luxos
Não tem a ver com o tamanho, mas ao escolher um apartamento no Japão, principalmente em Tóquio, é bom prestar atenção se ele fica perto de estações de trem ou de metrô. Isso é tão importante que um dos filtros de busca nos sites de imobiliárias é o tempo que se leva caminhando até a estação mais próxima: até 5, 10, 15 ou mais de 15 minutos. Para os padrões de Tóquio, andar mais de 10 ou 15 minutos para chegar até a estação já começa a ficar levemente inconveniente.
Outro detalhe que eu passei a achar particularmente agradável é quando o prédio tem uma lixeira comum. Tem condomínios em que basta deixar seu saco de lixo em frente ao prédio para ser recolhido, mas isso dá uma cara meio sujinha para o bairro nos dias em que o caminhão de lixo passa.
Se gostou do assunto, acho que você também vai gostar deste episódio do podcast, em que falo sobre morar e “quarentenar” em apartamentos pequenos.
Outras leituras relacionadas:
“How to organize a small kitchen in Japan”
“Five space saving ideas for living in a Japanese apartment”
“How to stay healthy without a real kitchen in Japan”
Muitas fotos são da imobiliária Fontana.