No início deste mês, tive a honra de participar de um workshop da estilista Isabel Mascaro sobre quimono, que fez parte do FestA – Festival de Aprender, do SESC Pompeia, em São Paulo. Depois de uma aula incrível sobre modelagem e conceitos que envolvem o tradicional traje japonês, fui vestida com uma lindíssima peça pelas mãos hábeis de Mari Uechi, do Kimono Art Photography.
Mesmo tendo passado quase um ano e meio no Japão, juntando as três ocasiões em que estive lá, nunca tinha tido a oportunidade de me vestir com um quimono. Foi aqui, num dos meus espaços preferidos na minha cidade natal, que, finalmente, pude ter essa experiência.
Como se não bastasse, ganhei outro presente: este texto lindo escrito pela minha querida amiga Regina de Sá, que esteve presente no evento. Regina, com toda sua sensibilidade, faz uma análise preciosa do que ela testemunhou.
Obrigada Bel, obrigada Mari e obrigada Re <3
Laços
Regina de Sá
Obijime é o último cordão decorativo usado para finalizar o ritual de vestir um quimono. Preso por delicados nós, carregados de significados culturais muito importantes para a cultura japonesa, o delicado tecido florido e a ele interligado se amolda perfeitamente ao corpo, porque, aparentemente, não há espaços perdidos. Existe um conceito japonês (o ma) que se refere a intervalos e espaços. Em uma de suas leituras, indica o espaço entre o tecido da roupa e o corpo, o que torna ainda mais interessante o ma (intervalo) de Priscila com suas raízes. As camadas e mais camadas de tecidos sobrepostas permitem que haja um “distanciamento” natural do corpo, causando uma “ilusão” de que tudo está preenchido. No entanto, às vezes nem percebemos que estamos longe de nossas raízes, mas se trata apenas de um tempo para amadurecermos, mas o nosso ma necessário está ali, pronto para concretizar algo que, sabemos, nos fará um bem enorme mais adiante.
Na minha tradução livre bem ocidentalizada, obijime também quer dizer ancestralidade, obijime representa admiração às origens e obijime faz uma ponte com os antepassados. Demorei cerca de 15 minutos para entender isso, mais por percepção ocidental do que por vivência. Afinal, foi o tempo em que Priscila estendeu seus braços e se deixou levar pelas mãos hábeis de Mari Uechi, a brasileira de origem japonesa que viajou até o Japão para conhecer as técnicas ancestrais do traje ki (que vem do verbo vestir) mono (coisa).
O quimono é uma veste interessante, porque ele só é amarrado com o obijime após várias camadas de tecidos, fitas e cintos, em um processo que exige, além de experiência, uma sensibilidade alinhavada na tradição. Combinando cores e estampas, observando o corpo e ajustando ali e acolá, a pessoa que usa o traje de origem milenar geralmente precisa de uma mãozinha, pois é muito difícil executar a tarefa sozinha. Não que seja impossível, mas carece de habilidade. Mari mostrou que suas aulas em Quioto valeram a travessia entre os continentes.
O legal de ser envolvida em um quimono deve ser justamente aquilo que vi em Priscila: olhos brilhantes e feliz em conseguir realizar seu obijime com o Japão. Ela viajou algumas vezes ao país para conhecer suas origens e se aproximar do idioma, do povo e dos ascendentes. Levou algum tempo para ela entender que os laços precisavam ser estreitados, na medida em que buscava compreender a ligação com o Japão de ontem e de hoje. Seu segundo nome, Sayuri, que significa flor de lírio que floresceu cedo, desabrochou no instante em que ela nos apresentou um pedacinho do seu Japão de obijimes recentemente descobertos.
Abrir os braços como ela fez nos 15 minutos que Mari a vestia na cerimônia kitsuke (o ato de vestir-se ou vestir alguém com quimono) teve um significado muito interessante para os meus olhos ocidentais. A cena parecia um entrelaçar de culturas, embora fosse um momento carregado de simbolismos orientais – tradicionalmente, colocar um quimono exige faixas e fios bem ajustados ao corpo, para ficar sem dobras ou saliências. Fazendo uma analogia, há poucos anos Priscila percebeu que era chegada a hora de arrumar a mala e ir ao encontro dos tecidos que a envolvia. Quimono não se ajusta na costureira: quimono se molda ao corpo de quem o veste. “Vestir” o quimono não é qualquer coisa não: requer algumas camadas de entendimento.
Brasil e Japão foram unidos por um obijime imaginário naquela tarde e, no momento da cerimônia, um silêncio se fez. As fitas e fios iam enlaçando aquele corpo de braços abertos para o Oriente, agora tão enlaçado a Priscila. Um encontro com os obijimes que ela tanto desejava.
*Regina de Sá é jornalista
regi.desa@gmail.com