Kanazawa é, sem dúvidas, uma das cidades mais lindas que já visitei no Japão. O distrito das casas de chá, as casas que antes eram habitadas por samurais, o rio que corta as montanhas, as folhas de ouro que enfeitam até sorvetes – tudo me deixou fascinada. Mas acompanhar o entardecer enquanto perambulava pelas ruas de um bairrinho residencial foi uma das coisas mais especiais dos dois dias que passei na cidade.
O brilho baixinho do sol deixou todas as casas em tons pastel: azuis, verdes, rosas amarelos, marrons, ocres e alaranjados, todos em tonalidades que pareciam ter sido escolhidos pelo Wes Anderson. O céu, fazendo sua parte, participava magicamente dessa composição de cores, com aquela luz bonita que fins de tarde de outono proporcionam.
Minha câmera, que quase não teve momentos de descanso nessa viagem de uma semana que fiz pelo Japão, foi tirada do conforto da bolsinha mais uma vez. Tentei de todas as formas possíveis capturar aquelas cores, mas minhas limitações como “fotógrafa” me deixavam frustrada a cada clique. Em tempos em que fotos parecem sempre mais bonitas que a vida real, não conseguia transpor para as imagens aquela paleta sincronizada formada pelas casinhas coloridas e pelo céu.
Daí veio aquele momento de desespero durante as viagens: quando o ícone de bateria começa a piscar no monitor. Vermelho. A cada foto que tirava, me conformava que aquela seria a última. Mas era só virar a esquina, que me deparava com uma combinação de cores ainda mais bonita. Como se ainda exalasse os últimos suspiros de vida, a câmera ainda colaborava com a minha missão. E assim fui andando até chegar numa ponte que atravessava o rio Asano.
As casinhas tinham ficado para trás, mas agora o céu se sobrepunha às águas do rio. Apesar daquelas faixas azuis, brancas, lilases, rosas e avermelhadas parecerem estáticas, eu sabia que dentro de minutos os céu estaria diferente. Os postes de rua seriam acesos e seria a hora de falar bye-bye (daquele jeito que os japoneses falam) para as cores de Kanazawa.
Depois de resistir bravamente, a bateria da câmera morreu. Rapidamente passou pela minha cabeça que eu poderia tentar fotografar de novo no dia seguinte, com a bateria cheinha. Mas, não. Eu partiria durante a manhã. E mesmo se tivesse mais um dia, uma semana ou um mês na cidade, as cores do entardecer não seriam exatamente iguais. Afinal, além da natureza, temos aí o budismo para nos ensinar que as coisas mudam sempre, o tempo todo. E que tudo bem.
O fim da bateria trouxe desapontamento e, ao mesmo tempo, alívio. Poderia fazer o que quisesse sem me preocupar com enquadramentos, cores, contraste ou foco. E o que sobrou foi olhar para o céu.
Como nunca, essa ação tão banal me deixou emocionada. Pensei na minha família porque queria que eles estivessem ali, olhando aquele céu comigo. Mas eu estava sozinha, sentindo um misto de sorte, de alegria, de gratidão (ainda podemos usar essa palavra? rs), com gotas de nostalgia – mesmo sem nunca ter pisado na cidade antes.
Kanazawa, quem diria, é a terra natal da família do meu avô. E eu só soube disso quando já estava lá – totalmente encantada. Sempre soube que o pai do meu pai tinha nascido em Asakusa, em Tóquio, mas foi pelo whatsapp da família, enquanto compartilhava as minhas andanças, que descobri que meus genes têm um pezinho ali.
Não sei se foi esse misto de ancestralidade com o charme inegável do lugar que fez vir à tona todo esse sentimento. Mas tenho certeza de que se eu continuasse insistindo nos cliques, dificilmente eu teria esse momento a sós com a cidade. <3