Vendo a decoração super kitsch, com CDs pendurados na parede e no teto, não tivemos dúvidas. Entramos no bar vazio em Nagano (a 200km de Tóquio) e fomos super bem recebidos pela simpática senhora de cinquenta e poucos anos, que ficou nos servindo alguns aperitivos para acompanhar a cerveja.
Conversamos muito. Sei que ela nasceu na ilha de Guam, na Micronesia, e que seus pais nasceram na Coreia. Que se mudou para o sul do Japão quando jovem e que, depois de casada, foi morar em Nagano. Que, depois do casamento, engordou tanto que hoje pesa o dobro do que pesava. Sei que ela odeia o inverno e que não tem dinheiro para comprar uma máquina que ajudaria a tirar a neve que acumula na porta da sua casa. Que ela gosta de carne de cavalo, mas que tinha um cavalinho de estimação na época em morava com seus pais. Que seus três filhos moram e trabalham em Tóquio e que seus vizinhos adoram o kimchi – uma receita coreana – que ela prepara. Conhecemos seu marido, um senhor muito simpático, que entrou no bar so pra deixar algumas compras.
O bar também tinha karaokê, mas o papo foi longe e eu, que adoro uma cantoria (meus genes não negam), acabei esquecendo de escolher alguma música pra cantar.
[Pausa pro banheiro: ao lado da pia, vejo um calendário com fotos de mulheres peladas. Que estranho. Será que ela não tinha um calendário melhorzinho pra pendurar?]
Ao ver que estávamos prestes a pedir a conta, Aiko-san pegou um papelzinho e anotou o telefone de seus três filhos, falando que eu poderia ligar pra qualquer um deles caso eu precisasse de alguma ajuda. Ficou preocupada comigo, morando sozinha em Tóquio, lugar onde mora muita “gente estranha”. Senti aquela preocupação de mãe e, com os olhos marejados, agradeci pelo carinho e gentileza. Queria ter uma lembrança de lá e pedi pra tirar uma foto com ela.
[Quando me levanto, algo na tela do karaokê me chama a atenção: fotos de mulheres peladas se alternam com fotos de casais também um tanto quanto desnudos. Ué…será que ela sabe que tipo de foto tá rolando no monitor? Coitada, nem deve ter percebido.]
Pedimos a conta e veio o susto: 4 cervejas de garrafa por 8 mil ienes – o equivalente a 80 dólares. Oi???
Cada cerveja custava 1000 ienes e a taxa de entrada, por pessoa, custava 2000 (quase 50 reais). Taxa de entrada caríssima pra um boteco com iluminação colorida onde cabem 5 pessoas. [Peraí. Iluminação colorida e fotos de mulheres peladas?]
Reclamamos do preço e Aiko-san se desculpou, se curvando até formar um ângulo reto. Mas disse que, comparando com outros lugares da redondeza, o seu bar era o mais barato e que o vizinho, por exemplo, cobrava 3 mil ienes só de entrada. Saímos e vimos que era verdade: estava escrito na placa da fachada.
Sem ter como contestar, pagamos a conta. Me senti meio idiota porque tive a impressão de ter caído naquele velho golpe de “vamos extorquir esses turistas”.
Mas, depois de ligar os fatos, chegamos à conclusão de que nós é que estávamos numa área de business duvidosos. E que Aiko-san, talvez, só estivesse tentando juntar uma grana pra poder tirar a neve da porta da sua casa sem tanto sofrimento.