Foi num izakaya muito especial que entendi melhor a relação dos japoneses com a bebida. Raku, um bar lindo e acolhedor que fica em Aoyama, Tóquio, é uma empreitada do Kinya Murakami, um amigo super querido que me foi apresentado pelo Mizuaki, aquele que me levou no aniversário do Nobuyoshi Araki.

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Ambiente pequeno, estrutura em madeira, luzes baixas e um jazz rolando de fundo

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Kinya tirou um tempinho pra sentar com a gente e nos oferecer um super banquete

Sashimi dos peixes do dia: mais frescor, impossível!

Sashimi dos peixes do dia: mais frescor, impossível!

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Na companhia da Amanda, minha bff suíça, Mizuaki e Kinya

Fomos convidados a provar várias delícias do cardápio, como se fôssemos convidados de honra. Foram tantas regalias que brindamos com um saquê mais do que especial. O rótulo Jikon é produzido por um fabricante da província de Mie, chamado Kiyashou. O estabelecimento funciona desde 1818 (ainda durante o período Edo!) e é considerado pelo governo uma propriedade cultural tangível, visto seu enorme valor histórico.

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Para ter o Kiyashou na sua lista de fornecedores, não basta dar uma ligadinha lá e fazer uma encomenda. O Kinya contou pra gente que o acesso ao fabricante é bem restrito e que ele teve que ir pessoalmente se apresentar, antes de fechar negócio.

Dá pra ter uma ideia melhor do trabalho de um fabricante de saquê com esse vídeo do Great Big Story, que mostra a produção da família Sudo, na ativa há mais de 850 anos. (valeu pela indicação, Kura!)

No final, o recado é claro: eles não querem simplesmente vender saquê. Eles querem transmitir valores da cultura japonesa.

Produzir saquê envolve muito mais do que achar o arroz certo e acertar no processo de fermentação. A região onde o fabricante estiver instalado vai dizer muito sobre o produto final. No caso da família Sudo, a presença de árvores antigas garante um água límpida e cristalina. Para o fabricante de Mie, o vale fértil e apropriado para o cultivo de arroz, o clima adequado e o abastecimento abundante do rio Nabari são as chaves para um cenário ideal.

Vendo o discurso de Sudo-san, a gente percebe seu respeito e gratidão pelas árvores quase milenares. E não é exagero dizer que o relacionamento dos japoneses com a natureza é praticamente religioso. De acordo com o xintoísmo, que rege muitas tradições do país, todos os seres, sejam animados ou inanimados, possuem um espírito. Isso inclui, portanto, os rios, as árvores, as montanhas, as plantas – ou seja, todos os elementos que estão presentes na produção da bebida, mesmo que indiretamente.

A relação entre saquê e a religião não para por aí. A bebida é usada em rituais de purificação e oferecida em festivais xintoístas, além de estar simbolicamente presente nos barris decorativos que ficam nas entradas de alguns santuários, como o Meiji Jingu, em Tóquio.

Barris de saquê no santuário Meiji Jingu, em Tóquio / Foto: Stefan Laketa

Barris de saquê no santuário Meiji Jingu, em Tóquio / Foto: Stefan Laketa

Segundo lendas, o saquê foi descoberto por acaso, com a fermentação acidental do arroz. Teria sido uma intervenção divina, acreditam os japoneses. E, desde então, dizem que a “bebida dos deuses” conecta pessoas com divindades.

Para quem ficou curioso em conhecer o Raku e trocar uma ideia com o Kinya (ele fala português fluentemente!):

Raku (izakaya)