Voltei agora de uma viagem incrível pela Tailândia, na companhia de dois dos meus melhores amigos. Fui naquelas praias paradisíacas que a gente vê em filmes, visitei templos impressionantes, cheguei no alto das montanhas do norte, vi um pedacinho do Laos, de Mianmar e do Camboja na margem do Rio Mekong. Os tailandeses nos encantaram com toda a sua solicitude, sempre dispostos a abrir um sorriso no rosto. Por mais que de vez em quando não nos entendêssemos muito bem, as risadas quebravam o gelo e eles acabavam caindo na gargalhada com a gente. Histórias e fotos eu vou deixar para um post futuro. O que aconteceu ontem no meu desembarque no aeroporto de Narita, depois de mais de duas semanas longe do Japão, foi o que me motivou a escrever esse post.

Pra voltar pra casa, comprei o bilhete de um trem rápido mas não me dei conta que esse trem só sairia dali a 50 minutos. Fui a um guichê da operadora e perguntei se poderia trocar o bilhete pelo trem mais lento, um pouco mais barato, mas que sairia em 5 minutos. Sem me perguntar absolutamente nada, a atendente respondeu, “Claro! Aqui estão os seus 1000 ienes (10 dólares) e o bilhete para o trem, que sai da plataforma 3. Você pode escolher qualquer assento.”.

Seis meses morando aqui e eu ainda me impressiono com os serviços no Japão. Em nenhum momento os japoneses questionam se a sua história é verdadeira e se você está tentando dar uma de malandro só pra ter 10 dólares na mão. Eles partem do princípio de que você está sendo honesto e não criam caso com notas, recibos, papéis, comprovantes e burocracias.

Outro exemplo, aparentemente banal, foi a vez em que levei uma calça jeans na Uniqlo pra fazer barra. Tinha comprado a calça um mês antes e nem tinha cogitado a hipótese de que a própria loja (uma rede japonesa gigantesca, com lojas em vários países) poderia fazer o serviço de reparo. Depois de receber a dica, voltei à loja sem o recibo (que já tinha ido pro lixo) e perguntei se eles poderiam fazer a barra, me lamentando por não apresentar a notinha. O vendedor me levou pra as cabines de provador e fez a marcação. Disse que a calça ficaria pronta em 30 minutos. E que o reparo seria de graça. Assim, rápido, fácil. Não criou caso com a perda do recibo, não cogitou que eu pudesse ter pego a calça exposta na loja e enfiado numa sacola antiga, não verificou se eu tinha mesmo comprado lá, naquela unidade.

Isso lembra o sistema de transporte público de Berlim, em que você mesmo tem que validar o bilhete para o trajeto feito. Não tem catraca, não tem um funcionário fiscalizando um por um. Você é responsável pelo pagamento do serviço que vai usufruir. Claro que tem gente que vai dar um jeitinho de não comprar o bilhete e correr o risco de ser surpreendido por um fiscal, que, esporadicamente, faz a averiguação dentro dos trens e aplica uma multa a aqueles que não tiverem bilhetes validados em mãos.

Mas o sistema japonês, assim como em Berlim, está sujeito a sofrer com as malandragens. Numa estação de trem perto de Tsumago, cidadezinha antiga na província de Nagano, conheci uma australiana que estava viajando pelo Japão. Disse que tinha umas táticas para pagar menos nas passagens de trem-bala, que costumam ser bem caras. Muitas estações pequenas não têm catracas e, quando se faz baldeação, também não é necessário passar por elas. Dentro dos vagões, quando você já está sentadinho na poltrona, passa um fiscal que vai fazer a cobrança da tarifa para aqueles que embarcaram sem bilhete. Nesse caso, ele pergunta onde você embarcou para calcular o preço. Nessa hora, a australiana responde que tinha embarcado na última estação, embora pudesse estar há mais de uma hora viajando.

O que talvez ela não entenda é que esse sistema que ela tenta burlar é exatamente o mesmo sistema pelo qual ela se encantou antes de decidir morar em Tóquio, por uns tempos, uns anos atrás. E isso é triste.

A lógica no Brasil é o contrário. Parte-se do princípio de que todos, não somente alguns, são malandros. Todos são “estudantes”, logo, produtoras dobram o preço dos ingressos de festivais. Todos os que vão a festivais vão usar guarda-chuvas como armas e estão levando substâncias ilícitas nas garrafas de água e nos pacotes de bolacha, logo, a revista durante a entrada deve ser severa e muitos dos seus pertences deverão ser jogados no lixo.

Foram quase 29 anos vivendo sob essa condição e espero nunca deixar de me impressionar com cada voto de confiança.

Pra quem quiser me acompanhar nessa volta pra casa, aqui vai um videozinho que fiz saindo do Narita rumo à estação de Nippori, para lembrar desse lindo céu azul das manhãs geladas de inverno.

música: “Anthems for a Seventeen-Year Old Girl”, do Broken Social Scene

(Um beijo especial pros integrantes do TrioThai <3)