Foi com essa pergunta que um cara do Sri Lanka me abordou no trem um dia, aqui em Tóquio. Não com um “Oi, de onde você é?” ou “O que faz em Tóquio?”. Não estava nada a fim de papinho furado, então eu fui meio curta e grossa, respondendo que não. E, enquanto falava que meu inglês não era bom, peguei o ipod e escolhi a próxima música.

Depois desse episódio, outras pessoas me fizeram essa pergunta. Pra quem não está acompanhando, aqui vai a explicação: hafu é o jeito japonês de se falar half (metade), numa referência a ser metade de origem japonesa, metade de outra. Para mim, no Brasil, sempre foi claro que eu não era mestiça, afinal, todos os meus avós nasceram no Japão e meus pais são nissei (segunda geração).

Porém, depois de ter me identificado com várias situações do excelente documentário Hafu, cheguei à conclusão de que no Japão eu poderia me considerar mestiça, pois não acho que o conceito se refira apenas à questão genética.

Para citar um exemplo, me identifiquei com Sophia (garota da foto), a australiana que cresceu em Sidney e que, quando criança, queria ser loira, como suas coleguinhas de escola. Não que eu quisesse ser loira, mas eu não queria ser a “japinha cdf” da classe. Não queria ser rotulada por causa dos meus olhos puxados e sobrenome difícil. Quando a gente é criança, a gente só não quer ser diferente.

Também como ela, já adulta, depois de ter assimilado que sim, é legal poder desfrutar de duas culturas tão diferentes, resolvi conhecer o Japão para entender mais esse lado da minha origem. Na terra dos meus antepassados, percebi que minha “brasileirice” muitas vezes fala mais alto. E, por isso, mesmo antes de eu falar qualquer coisa, as pessoas conseguem sacar que eu não sou japonesa.

O filme é bastante esclarecedor no que se refere à vida dos “hafus” atualmente. Apesar do crescente número de estrangeiros morando no Japão, casando e tendo filhos com japoneses, o preconceito é enorme. As crianças mestiças sofrem bullying e os professores fazem vista grossa ou até mesmo incitam um tratamento diferenciado pelos colegas. É tocante o depoimento de um garotinho, de 9 anos, filho de mãe mexicana e pai japonês. Depois de sofrer tanto bullying na escola, pede para morar um tempo no México. Passa alguns meses com a família de lá e, quando retorna ao Japão, seus pais decidem colocá-lo numa escola internacional, frequentada por outras crianças de origens mistas. Lá, logo no primeiro dia, é convidado a jogar bola com os novos amiguinhos.

Triste foi constatar que a maioria dos hafus retratados só conseguiu se “encaixar” depois de passar a integrar algum tipo de comunidade com pessoas de outras origens, seja estudando numa escola internacional, participando de um grupo de atividades com outros mestiços ou relacionando-se e casando com estrangeiros. E estamos falando de crianças e jovens adultos na faixa dos 30, ou seja, é uma questão atualíssima.

Para quem ficou curioso, dá uma olhadinha no trailer:

No final do filme, é exibida essa animação com dados muito interessantes sobre o contigente de estrangeiros vivendo no Japão. Mostra que os brasileiros representam o terceiro maior grupo de imigrantes aqui, depois de coreanos e chineses.

[vimeo http://vimeo.com/48988439]

 

Apesar de tudo, a mensagem do filme é otimista: ei, Japão, o país está mudando e é hora de acordar.