Sem grandes expectativas, recentemente comecei a assistir o programa japonês Terrace House. Foi meu namorado que deu o primeiro passo e clicou no banner imenso da home da Netflix pra saber do que se tratava. Logo que vi que estávamos diante de cenas de um reality show, cujo subtítulo é “Boys & Girls in the City”, admito que fiz pouco caso: “deve ser a versão japonesa do Big Brother”, pensei. Mas, ao final do primeiro episódio, estava curiosa para assistir o segundo. E, depois de vê-lo, confesso que não parei mais.

A série é o resultado de um parceria entre a Netflix e a Fuji TV, que criou o formato do programa exibido na televisão japonesa em várias temporadas, entre 2012 e 2014. Para a produção da plataforma em streaming, que foi ao ar entre 2015 e 2016, a ideia original era de produzir 18 episódios semanais, mas, com o enorme sucesso de público, a série foi prorrogada e teve seu desfecho na 46ª semana. Para quem já assistiu toda a série com os meninos e meninas em Tóquio, uma segunda temporada, chamada Aloha State, já está disponível online e se passa no Havaí.

Usar o Big Brother como referência para analisar o Terrace House (テラスハウス: te ra su hau su) chega a ser injusto. Para começar, o propósito do programa japonês é bastante diferente. Jovens, sendo três meninos e três meninas, passam a morar juntos numa casa bacana – ok, as semelhanças param por aqui. Eles se movimentam livremente: podem sair da casa, estudar, trabalhar, usar o carro que a produção deixa à disposição na garagem, encontrar amigos, acessar internet. Ou seja, a casa se torna uma nova residência e não os impede de seguir suas vidas normalmente. Eles não competem por um prêmio e não são eliminados pelo público. Têm a liberdade de abandonar a casa e sair do programa na hora que bem entenderem. E, quando isso acontece, novos integrantes são apresentados.

Participantes do “Terrace House: Boys & Girls in the City”, disponível na Netflix

Mas qual é a graça disso? – vocês podem estar imaginando. Pelo que andei vendo, é exatamente essa “normalidade” que torna a situação mais interessante. Os participantes não precisam ganhar popularidade ou fingir ser quem não são para se manter na casa. Mesmo sabendo que estão sendo vigiados pelas câmeras (e bota câmera nisso!), não fazem esforços para parecerem mais legais ou mais bonitos. Eles fazem a limpeza da casa, vão ao mercado para abastecer a geladeira, andam de pijama e não usam maquiagem para esconder a espinha que aparece no nariz quando estão no conforto do lar – quem é que não se reconhece nessas situações?

Claro que, ao selecionar 3 caras e 3 meninas na faixa dos 20 e poucos anos, todos solteiros e abertos a relacionamentos, a produção tenta induzir algum romance na casa. E, nessas horas, vemos também que a coisa é muuuito diferente do que rola nos reality shows brasileiros. Um pedido de namoro pode rolar mesmo antes do primeiro beijo, por exemplo. Mas, por mais que em algumas situações vemos as diferenças culturais gritantes, em outras vemos que o que se discute são questões básicas das relações humanas em geral. Conflitos causados por falta de empatia, imaturidade ou falta de jeito com as palavras acontecem – e, nesse outro ponto, a gente também acaba se identificando.

A edição dos episódios é balanceada entre momentos meio dramáticos, com direito a algumas choradeiras, atritos e DRs, e horas leves e divertidas, principalmente quando passeiam por Tóquio, fazem atividades juntos e aproveitam para conhecer uns aos outros. Além de tudo, Terrace House garante boas risadas com as interrupções para os comentários engraçadíssimos de figuras conhecidas do entretenimento japonês.

Pra quem acha que o senso de humor dos japoneses é mais ingênuo e contido, os comentaristas oferecem um prato cheio de sarcasmo, tiração de sarro e gargalhadas. Eles não fazem cerimônias ao expressar coisas como “eu não sei se fulano é só idiota ou se ele é um grande manipulador” ou “se eu reconheço as ações de um canalha, significa que eu também sou?”. Mas a intenção não é só arrancar risadas da audiência. Eles são francos nas críticas e observações que fazem sobre o comportamento dos participantes, e é nessa horas que sacamos coisas interessantes do jeito de pensar dos japoneses.

Ainda estou longe de chegar no final desta temporada, mas tenho gostado bastante de acompanhar essa dinâmica. Fica aqui a dica para todo mundo que, como eu, se cansou faz tempo da fórmula “corpos esculturais enfurnados numa casa, que fazem tudo pelos 15 minutos de fama”.